quinta-feira, 10 de junho de 2010

Os desafios do desenvolvimento piauiense - Uma entrevista com o economista Samuel Costa

Falar de economia piauiense, suas nuances e possibilidades de desenvolvimento não é tarefa fácil. O Professor Dr. Samuel Costa concedeu uma entrevista ao Infocientizando para esclarecer sobre o potencial econômico do Piauí e o que deve ser feito para obtermos avanços no estado.

 Samuel Costa: o Piauí é insignificante na economia nacional, mas isso pode ser revertido


Infocientizando: Existe um conceito disseminado no senso comum de que o Piauí seria insignificante na economia brasileira. Esse conceito pode ser considerado correto?
Samuel Costa: Quando se tem como referência a produção da riqueza nacional, considerando que o capitalismo está preocupado com o PIB (Produto Interno Bruto), o Piauí produz muito pouco em relação ao todo do Brasil. Então, nessa ótica, São Paulo é a locomotiva do Brasil, com a concentração da produção da riqueza do país no Sudeste. Ao contrário do Nordeste, que tem uma produção muito reduzida, e o Piauí  uma participação menor. Consequentemente, a produção e geração de riqueza do Piauí possui um nível insignificante, isso na perspectiva de se observar a geração de riqueza econômica pro capitalismo. A participação da indústria do Piauí é muito reduzida ou quase nenhuma. Só a agricultura está se desenvolvendo mais recentemente com a soja. O setor de exportação é pequeno, além do comércio, que também não é muito amplo ou diversificado. Pode-se afirmar que o Piauí é insignificante na economia brasileira, mas é uma realidade que pode ser mudada.


Infocientizando: Que setores da economia estão mais propensos a alavancar no Piauí, com possibilidades de modificar a situação do Estado no contexto nacional?
Samuel Costa: Podemos afirmar que os setores que mais se desenvolvem são os de comércio e serviços, principalmente o turismo de negócios e de saúde. Temos também o turismo de lazer, pois temos belas praias. Mas, para desenvolvermos esses setores, precisa-se que o estado tenha um planejamento estratégico, dando respaldo às suas políticas.

I: Que políticas o Estado do Piauí poderia adotar para fortalecer a economia local?
S. C.: Em qualquer que seja o país, o crescimento só acontece quando há um Estado planejando, criando políticas para que determinados setores possam crescer. Foi assim nos Estados Unidos, na China, no Japão, e na Europa. E o Brasil abdicou disso há aproximadamente 30 anos. Atualmente, o Lula ensaia um retorno ao planejamento. O Brasil precisa ter um plano, com o Piauí incorporado a ele. Precisamos de projetos, porque o estado do Piauí por si só não tem conseguido alavancar recursos pra ele, nem direcionar esse processo. Ainda existem obstáculos, como o FMI, que retira recursos do Estado obrigando-o a pagar dívidas. Entretanto, o estado precisa sinalizar quais os setores, e como vai incentivar essa política. Nós temos as áreas agrícola e de turismo, com muito campo pra ser explorado.

I: Então que procedimentos devem ser adotados para o crescimento do estado do Piauí?

S. C.: Inicialmente, nós temos as políticas fiscais, de redução de impostos. Quando havia bancos de desenvolvimento com empréstimos a juros especiais era muito melhor, mas, atualmente, há uma dificuldade já que acabamos com o modelo que tínhamos em que o Estado intervinha na economia. Agora nossa economia é balizada pelo mercado. Como o mercado decide tudo e nosso mercado é fraco, então, não adianta incentivar determinados setores pelo Estado, se ele não tem ferramentas pra isso. O que o Estado do Piauí pode conseguir é via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Banco do Brasil, Caixa Econômica, com alguns incentivos pra áreas específicas, mas o Piauí precisa se aparelhar de técnicos para trazer esses recursos, através de projetos bem elaborados.

I: A abundância em recursos naturais do Piauí é um fator que contribui para o desenvolvimento do estado?
S. C.: Ter recursos naturais é sempre melhor do que não ter nada. Mas estados que vivem de recursos naturais são estados atrasados. Recurso natural não agrega muito valor. Os países ricos são aqueles que trabalham no setor de industrialização e serviços, desenvolvendo alta tecnologia. Não adianta exportar sem agregar valor. É preciso criar um processo de industrialização que gere riqueza. Caso contrário vamos ficar como éramos nos séculos passados, exportando açúcar, ouro, matéria prima bruta e, consequentemente, perpetuando o atraso.

I: No contexto do Nordeste, como se situa o Piauí? É desenvolvido ou está atrasado em relação aos estados da região?
S. C.: Nenhum estado no Nordeste é desenvolvido, pois não somos um país desenvolvido. Desenvolvimento significa direitos, alto padrão de vida, e aqui não há esse padrão de vida, nosso povo é miserável. A “guerra civil’’ em que vivemos, com muita violência, é fruto dessa miséria, dessas diferenças sociais, de valores que nós não temos. No Piauí o índice de concentração de renda é elevadíssimo, a exclusão enorme, e em relação aos estados do Nordeste como Bahia, Pernambuco ou Ceará, nós estamos atrasados porque nesses estados já existe uma certa industrialização. Aqui, nosso pólo industrial é ínfimo. Não dá pra comparar com Pernambuco, onde existem grandes grupos industriais, nem com a Bahia, onde há  o pólo petroquímico. Aqui nós temos algumas indústrias pequenas, e só. Mas não podemos usar a palavra desenvolvimento nem no contexto do Nordeste, nem em nível de Brasil.


I: Qual sua visão sobre as instituições que tentam fomentar a economia piauiense, como as sociedades de economia mista e o SEBRAE?
S. C.: Quando falamos de entidades do setor público, com certeza são fundamentais, porque são esses órgãos que estimulam a iniciativa privada. Se não fosse o Banco do Brasil e o BNDES, a crise mundial que hoje abala o mundo teria maior impacto no o Brasil, mas nós já estamos saindo dessa recessão com um crescimento significativo. Órgãos de classe como SEBRAE procuram criar recursos pra estimular a iniciativa privada, trabalhando com conceitos capitalistas, o que faz parte da defesa do interesse do capital. Nós temos várias propostas de sociedade, e eles querem manter a proposta deles, disseminando a ideia do empreendedorismo.

I: Em sua opinião, essas instituições estão cumprindo o seu papel?
S. C.: De alguma maneira elas contribuem para o desenvolvimento do Estado. Acontece que o nível da atuação desses órgãos proporciona um ritmo de crescimento que ainda é insignificante. Vamos ter crescimento com concentração de renda, com algumas pessoas aparecendo como empreendedoras, mas a grande maioria continua excluída. Se não criarmos um modelo de crescimento, nós dificilmente vamos reverter a situação. Não só do Piauí, como do Nordeste e do Brasil.

I: Esse modelo de crescimento viria “de cima pra baixo’’, imposto pelo governo federal?
S. C.: “De cima pra baixo” não seria uma expressão adequada. Seria um modelo construído através da decisão de nossas elites políticas, econômicas e sociais acerca da seguinte questão: Qual é o objetivo de nação que nós queremos? É a cópia dos países ricos? Ou nós temos algum tipo de pretensão? Até o governo anterior, nós dizíamos amém aos Estados Unidos. Agora, o governo mudou nossa relação com o exterior, ao se propor a negociar com Irã e Venezuela, se posicionando de maneira diferente no mundo. Já surge uma proposta de Brasil distinta, que não tínhamos antes.


*O Professor Samuel Costa é chefe do Departamento de Economia e ministra as disciplinas de Macroeconomia e Economia Monetária, na Universidade Federal do Piauí.

Reportagem: Israel Severo
Edição: Tamires Coelho
Fotos: Israel Severo

0 comentários:

Postar um comentário

Aproveite esse espaço de interatividade! É todo seu!

 
Infocientizando | by TNB ©2010