As faces do empreendedorismo no Piauí

Existe uma tendência, na contemporaneidade, de esperar que as pessoas tenham seu próprio negócio, utilizando-se da criatividade e da iniciativa produtiva. É disseminado que as pessoas precisam ser empreendedoras, colocando em prática ideias e planos no sentido de modificar a  sua realidade.

O empreendedorismo é convencionalmente conceituado como processo de criar algo diferente e com valor agregado, envolvendo dedicação de tempo e esforço, incluindo os riscos financeiros, psicológicos e sociais correspondentes, para obter eventuais recompensas econômicas e pessoais. Ser empreendedor significaria ousadia – o que, hipoteticamente, estimularia o processo econômico de um país.
 
Vanessa Alencar: "empreender gera renda e oportunidades de trabalho"

Segundo Vanessa Alencar, professora que ministra a disciplina Empreendedorismo no curso de administração da Universidade Federal do Piauí, empreender é “um comportamento que pode ser adquirido através de um programa de capacitação, que proporcione aos participantes identificar e avaliar oportunidades, correr riscos, lidar com o fracasso e inovar”. 
 
Em sua experiência como consultora empresarial no SEBRAE do Piauí, a professora, que é mestranda em administração, defende que o empreendedorismo deveria ser trabalhado em todos os cursos superiores, inclusive nas escolas. E, em se tratando do Piauí, acrescenta: “empreender gera renda e oportunidades de trabalho. O povo piauiense está se tornando empreendedor, pois vejo muitas iniciativas interessantes em todo o estado’’.

Entretanto, existem outras correntes de pensamento que encaram o empreendedorismo como um modismo, uma solução ilusória criada em momentos de crise econômica. É o que pensa o economista Luis Carlos Puscas. “O empreendedorismo é uma concepção ideológica que relativiza a massa de desempregados. É claro que o trabalho de órgãos como o SEBRAE organiza a vida de algumas pessoas, mas não existe uma política nacional voltada para as micro-empresas. Tanto é que 85% das novas micro empresas falem em menos de um ano de atividade”, explica Luis Carlos.

O economista também ressaltou que não existe estrutura de crédito voltada para as micro-empresas. “Empresário precisa de capital inicial. Não adianta defendermos que o desenvolvimento acontecerá sem que o Estado proporcione condições pra isso”, conclui Puscas.



Reportagem: Israel Severo
Foto: Israel Severo
Edição: Tamires Coelho
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Grupo de amigos cria Clube do Livro em Teresina

A iniciativa pode ser ampliada pelo SESC e se transformar em projeto de maior alcance

O que você acharia de discutir literatura aos domingos? “Importante. Diante de nossas limitações, a reflexão e a escuta do que o outro viu, ou achou de determinada obra, muitas vezes traz conflitos e novos olhares sobre o livro. Além de ser importante ver o que os outros pensarão sobre minhas opiniões”, explica João Farias Júnior, estudante de Filosofia. Ele participa de um grupo ainda informal que se reúne uma vez por mês para discutir uma obra literária escolhida previamente pelos próprios membros do grupo.

O Clube do Livro começou pela iniciativa de um grupo de amigos que gostam de ler e discutir literatura. Na falta de espaço físico para realizar as reuniões, o grupo solicitou junto ao SESC (Serviço Social do Comércio) a concessão de um auditório na unidade do Centro de Teresina para as discussões.

Raimundo Nonato da Silva, coordenador de cultura do SESC Centro, acredita que é importante esse tipo de atitude de jovens de Teresina, sobretudo porque ele considera que, no Brasil, as pessoas não têm o hábito da leitura. “Quando fomos procurados por esse grupo de jovens, eles buscavam um espaço onde pudessem se reunir. Resolvemos, então, a princípio, ceder esse espaço e, só posteriormente, conversar para sistematizar um projeto maior em que o SESC pudesse estar colaborando de forma mais efetiva. Ou seja, isso deixaria de ser um pequeno grupo e abriríamos um grupo maior, contratando profissionais e assessoria externa na área de literatura, para que pudéssemos promover oficinas de poesia e rodas de leitura. Mas, no momento, ainda é um trabalho embrionário, experimental”, explica.

Silva diz que a meta é construir uma parceria com o grupo para que, além das reuniões, também seja compartilhado o gosto pela leitura com outras pessoas.

Reportagem: Cássia Sousa e Ludmila Barbosa
Edição: Tamires Coelho
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Comércio de livros usados em Teresina é precário

Você chega a um sebo, encontra um livro que é de seu interesse e pergunta ao atendente que, ao mesmo tempo, é o dono do estabelecimento, quanto custa. “Cinco reais”, responde ele. Você tira uma cédula de cinquenta reais. E ele responde que não tem troco. “Você poderia trocar na loja em frente?”, sugere. Então, você se encaminha para o local indicado, mas não consegue trocar o dinheiro. Retorna ao sebo e o atendente está ao telefone. Você tenta explicar que voltará em outra ocasião para comprar o livro. No entanto, ele apenas acena.

A situação descrita poderia ser fictícia, mas realmente aconteceu com uma das repórteres, na ocasião de coleta de informações para a redação desta matéria. O Infocientizando visitou quatro sebos para entender melhor como funciona o mercado de livros usados em Teresina e constatou que existem algumas associações de livreiros. Uma delas é o Shopping dos Livros Usados, uma reunião de 17 livreiros que decidiram alugar um espaço físico onde pudessem vender livros durante o ano inteiro. De acordo com Sonia Maria Macedo, dona de um estande no Shopping e livreira há 14 anos, o aluguel do espaço é de sete mil reais. Este valor é pago anualmente pelos livreiros associados.

A outra é a Associação de Vendedores de Livros Usados, constituída pelos livreiros que, através de concessão da prefeitura de Teresina, utilizam o espaço da Praça Demóstenes Avelino (mais conhecida como Praça do Fripisa) durante os primeiros meses do ano – de janeiro até maio, no máximo. Segundo o Ribamar Araújo, presidente da associação, ela “funciona como um sistema de vendas, compras e trocas de livros. A troca funciona quando o cliente leva um livro, havendo uma negociação por ambas as partes, incluindo aí a compra de livros do cliente”.

Os livreiros das duas associações trabalham, principalmente, com a venda de livros dos ensinos Fundamental e Médio, mas também adquirem obras do Ensino Superior. Maria do Socorro Macedo, dona de um sebo na rua Barroso, justifica: “não tem um grande acervo de livros do ensino superior porque as pessoas não se desfazem deles”. As áreas de Saúde e Direito, segundo todos os livreiros entrevistados, é a mais procurada, seja para venda, compra ou troca.

Ainda segundo Maria do Socorro, os sebos não vendem edições antigas de livros. “As escolas estão sempre atualizando as edições dos livros que adotam”, explica ela, que trabalha principalmente com livros de Literatura e do Ensino Fundamental e Médio.

Já Ribamar Araújo afirma que também faz negociações de livros com outras cidades e estados. Contudo, nem ele e nem nenhum dos livreiros entrevistados demonstrou interesse por negociação de livros via internet, em sites como o Estante Virtual, por exemplo. Fazendo uma rápida busca neste site, pode-se constatar que não há nenhum sebo piauiense cadastrado, embora haja leitores de Teresina que vendam livros.

O Estante Virtual é um site que media a compra e venda de livros usados entre sebos, assim como pessoas, de todo o país. Nenhum dos livreiros entrevistados lembraram da existência do site, quando mencionado pela nossa equipe de reportagem. Somente depois de explicado em que consistia a página virtual, todos afirmaram já terem ouvido falar, mas nenhum disse já ter cogitado da possibilidade de se cadastrar.     

   
Reportagem: Cássia Sousa e Ludmila Barbosa
Edição: Tamires Coelho
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Música nas escolas: uma realidade ainda distante

Próximo ao fim do prazo estipulado pelo governo federal para adequação das escolas públicas e privadas ao ensino de música, muitas instituições de ensino ainda estão aquém desta meta.

O Colégio Sagrado Coração de Jesus que, há dois anos, contava com a disciplina de Música da Alfabetização à 3ª série do Ensino Fundamental, em nada ampliou esses dados – já que o conteúdo de Música atualmente é ensinado até a 4ª série. A 4ª série corresponde ao antigo terceiro ano, de acordo com os novos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

Sancionada pelo presidente Lula em 18 de agosto do ano de 2008, a lei que torna obrigatório o ensino de música nas escolas públicas e privadas também não é muito clara. A lei diz que “a música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular” e é acrescida de dois artigos. Um deles determina o limite – três anos – dado pelo governo brasileiro para que as escolas se adaptem ao novo sistema. E o outro, traz a data de vigoração.

Até então, os PCN contavam com a disciplina de Arte que tinha como foco três segmentos: artes plásticas, artes cênicas e música. Poucas escolas, principalmente da rede pública, davam ênfase ou mesmo ministravam o conteúdo de música por problemas de infraestrutura.

Os problemas estruturais estão relacionados aos equipamentos necessários para o ensino de música, como instrumentos musicais, por exemplo. Maria da Cruz Bezerra, coordenadora da Unidade Escolar Duque de Caxias, no bairro Cristo Rei, explica que nem sempre as verbas repassadas pelo governo são suficientes para implementar mudanças desse porte.

Nas escolas privadas, os maiores problemas estão ligados à escassez de profissionais aptos a ensinar. No ano passado, a então coordenadora pedagógica do Colégio Sagrado Coração de Jesus (CSCJ), Teresinha Gomes da Silva, disse ser esta a grande dificuldade: encontrar profissionais aptos a ministrar o conteúdo de música, mas que também tivessem domínio das normas pedagógicas. Este ano, o problema ainda não foi resolvido.

Atualmente, o CSCJ conta com três professores de Música. Lilia Dias Braga, professora de Música do colégio e também da rede pública diz que o segundo ano não tem mais a disciplina por falta de alguém disponível a assumir a turma. “Uma das irmãs fica no terceiro [ano], mas ela não tem disponibilidade e já está cansada. Só está com essa turma porque eles [os alunos] querem muito. Eu não tenho mais disponibilidade porque trabalho em mais três lugares, além do colégio. Trabalho em uma escola da prefeitura, uma do estado e tenho uma escolinha de música”, justifica.

O mercado piauiense continua carente de pessoas licenciadas em Música. O fato não chega a surpreender, já que, dentre as instituições de ensino superior do estado, apenas a Universidade Federal do Piauí oferece o tipo de formação exigida pelas escolas, que é a licenciatura. A professora Lilia considera que isso é reflexo de uma conjunção de fatores. “Aqui não existe uma política de investimento forte no setor da educação quando se fala de música. As universidades privadas também não se arriscam a oferecer o curso que forma professores, por medo de não haver demanda.”

A professora de música ainda cita a influência do ambiente cultural no qual as pessoas – em específico, as crianças – estão inseridas. “Nós temos que aceitar a bagagem cultural que a criança traz, mas também temos que abrir novos caminhos para elas. O gosto estético dos meus alunos, por exemplo, se compõe de músicas como “Rebolation”. Eles têm pouco conhecimento de música erudita ou mesmo música popular que tenha mais qualidade. Se você pergunta se já ouviram falar de “As Quatro Estações”, eles imediatamente associam à música de Sandy e Júnior, e não à obra de Vivaldi. Isso tem relação com o que a criança ouve quando está em família. Eu amo música clássica, mas nunca a ouvi em minha família. Nesse sentido, ainda está muito a desejar.”, finaliza ela.



Reportagem: Cássia Sousa e Ludmila Barbosa
Edição: Tamires Coelho
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Entrevista: Edilson Nascimento fala sobre a questão racial e o desafio das minorias políticas na sociedade

Edilson Nascimento é formado em Pedagogia e Jornalismo pela UFPI, especialista em Tendências e Perspectivas do Jornalismo, e desenvolveu dois projetos de pesquisa sobre a questão racial, que foram orientados por um  africano de Serra Leoa que reside em Teresina, Francis Musa Boakari. Como jornalista, Edilson mantém um blog no site Meio Norte.

O primeiro projeto foi intitulado "A escola e questão do negro: a procura de uma pedagogia voltada para a negritude", feito na cidade de Timon-MA, no qual procurou estudar até que ponto o racismo exclui e prejudica o desenvolvimento dos afrodescendentes na escola. Já o segundo foi feito no curso de Comunicação Social e teve como título: "TV por Preto e Branco: o negro como repórter e apresentador de televisão em Teresina –PI”, no qual  procurou analisar uma realidade que ele considera racista, na qual se pode contar  nos dedos os profissionais de características afros que aparecem na tela piauiense. 

Em entrevista ao Infocientizando, Nascimento explica como funciona o Movimento Negro, que parcela social ele agrega e como acontecem as articulações do grupo. Em um posicionamento algumas vezes radical, ele fala sobre as vitórias e sobre o que ainda pode melhorar no movimento. Além disso, conta também como já sofreu discriminação racial e pontua que essa prática ainda é frequente na sociedade brasileira e teresinense.


Edilson é fundador de uma ramificação do movimento negro na Universidade Federal do Piauí

Infocientizando: Quando e como começou o movimento negro no Piauí?
Edilson Nascimento: Não dá para afirmar exatamente quando começou o movimento negro no Piauí, pois o movimento negro no Piauí encontra-se ainda em construção. Embora haja várias ramificações que nos permitem admitir que há uma consolidação, seja na área cultural – como temos o exemplo do Grupo Coisa de Nego –, como na parte intelectual, na qual se enquadra o Núcleo de Pesquisadores da UFPI e da UESPI. Na UFPI temos o Ìfaradá, do qual eu tenho o prazer de dizer que sou um dos primeiros integrantes, junto com o professor Francys Boakari e o professor Solimar Oliveira. É bom lembrar que o Movimento Negro Unificado, MNU, também tem representação aqui em Teresina, destaco aqui a pessoa do Istânio Vieira. Movimento é algo que não tem fim. Nem meio, nem fim. É algo que se encontra sempre em constante mudança, e isso, no caso da negritude brasileira, é algo que exige sempre uma atenção especial.

Infocientizando: Quais são as principais preocupações do movimento negro hoje?
Edilson Nascimento: Atualmente, está em tramitação um estatuto da Igualdade Racial e os movimentos negros, pesquisadores e militantes esperam que sejam implantadas ações afirmativas para garantir uma maior e melhor representação do negro na sociedade. A gente tem que tentar outros caminhos, mais ligados à educação, mais ligados à socialização das pessoas, ao convívio com a diversidade. O nosso modelo de relações não é um modelo separado como nos Estados Unidos, onde os grupos ocupam lugares distintos. A gente não tem esse modelo. Mas isso não quer dizer que a gente aceite com mais facilidade o outro. A regulamentação é importante. A lei tem que existir e tem que ser pra valer, mas só isso não é suficiente. Teríamos que ter um trabalho que venha desde a educação infantil, que é aprender a conviver com a diversidade. Uma contribuição muito importante seria o efetivo cumprimento da obrigatoriedade dos conteúdos, no primeiro e no segundo grau, relacionados à História da África e à História e cultura dos negros no Brasil. Hoje, a gente tem um pouco mais de interesse, mas esse tema não é o foco das pesquisas acadêmicas. Claro que as coisas foram caminhando e o tema ganhou uma expressividade na sociedade, na medida em que os estudantes negros afloraram em algumas universidades e tiveram a oportunidade também de trabalhar essa questão, de fazer pesquisas e estudar essa questão num movimento que é acadêmico e militante.

Infocientizando: Quais os critérios para que uma pessoa entre para o movimento no Piauí? A pessoa se declara negra, ou precisa ser reconhecida como negra pelos integrantes?
E. N.: Não existem critérios fechados que ditam aspectos a serem avaliados na hora de integrar alguém. Muito pelo contrário! Para participar do movimento negro no Piauí, basta querer, ter sensibilidade e preocupação com a problemática negra. Claro, que na maioria dos casos quem vai se identificar mais com essa causa são as pessoas com maiores características afros, porém, também encontramos alguns colegas que não possuem traços físicos africanos aparentes, mas sentem a necessidade de ação e se integram, sendo aceitas perfeitamente no movimento negro.

Infocientizando: Em sua opinião, o movimento negro vem obtendo resultados positivos frente ao governo e à sociedade? A política de cotas seria um desses resultados?
E. N.: Claro que sim, principalmente no governo do presidente Lula, conseguimos vários avanços a nível político. Com destaque para a Lei 10.639, que determina que o sistema educacional brasileiro passe a incorporar em suas escolas aspectos culturais positivos dos africanos, construídos historicamente, que, acima de tudo passe a valorizar as manifestações afrodescendentes.  Na semana passada, depois de tramitar algum tempo, foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial, outra grande conquista dos movimentos e militantes negros. Socialmente, cada vez mais, mesmo com todos os obstáculos, o movimento negro vem ganhando força política. A política de cotas passa por uma exigência de uma ação afirmativa, para de certa forma minimizar as disparidades que foram criadas ao longo da história.

Infocientizando: Como o senhor se posiciona a respeito da crítica a política de cotas, que defende que esse tipo de política potencializa o preconceito e pressupõe uma “inferioridade’’ das pessoas que se declaram negras, sendo necessária apenas uma política “social” de cotas, com base no nível sócio-econômico?
E. N.: Eu, particularmente, sou a favor das cotas, por entender que as portas devem ser abertas para aqueles que foram historicamente açoitados, massacrados, marginalizados. Não entendo como uma esmola, mas como uma possibilidade do afrodescendente chegar aos espaços de desenvolvimento humano, como a universidade e concursos públicos, ambientes fechados, abertos apenas para a elite. Na medida em que a voz do não-branco vai ecoando nesse espaço, vamos ganhando força e crescendo em todos os sentidos. As cotas são apenas uma das ações das políticas afirmativas para o afrodescendente. Não estamos nos inferiorizando com isso. Vamos mostrar que temos nosso valor, e que o vestibular e os concursos são, na verdade, uma representação cruel dessa máquina mortífera chamada sociedade capitalista, que manipula as coisas e aliena as pessoas, levando a crer que alguns são melhores dos que os outros por oportunidades orquestradas por uma cúpula de burgueses.

Infocientizando: Na sua visão pessoal, o preconceito de cor é evidente no Brasil hoje? Ou acontece de forma velada? Existem contextos que favorecem o preconceito?
E. N.: No fundo, o preconceito relacionado à cor é claro para quem é bem escuro no Brasil, só isso. Se pinte de preto, transforme suas características físicas para os afros e verás o peso do racismo. O que acontece é que, aqui, as pessoas discriminam e acham que é normal, brincam com isso, se divertem, fazem piadas, e a angústia dos afrodescendentes é vista como complexo de inferioridade. Psicologicamente, o negro incorpora ou passa a se rebelar radicalmente contra essa realidade. Infelizmente é isso. A proposta do movimento passa pela abertura de um diálogo, que faça desabrochar, despertar o monstro que está adormecido (os traumas sofridos pelo racismo), que esse seja exortado, e que os gritos ecoam, e todos possam se libertar socialmente para falar de seus sentimentos excluídos até hoje.

Infocientizando: De acordo com sua experiência de estudioso e militante, o preconceito de cor deveria ter maior atenção dos legisladores brasileiros? Se sim, por quê?
E. N.: Na verdade, o que precisamos é fazer com que a sociedade passe a escolher afrodescendentes como representantes públicos, porque ainda são poucos os políticos negros conscientes a respeito de nossa negritude. Porque negritude é uma filosofia e precisa ser estudada, sentida. Ser consciente como negro é admitir, acima de tudo, que o racismo existe e precisa ser debatido, discutido por todas as instâncias sociais brasileiras. Vamos enxergar o negro também como intelectual, como trabalhador, empresário, empreendedor, dono de seu próprio nariz e capaz de se posicionar nesse contexto de construção social. Não adianta criar leis para serem esquecidas nas gavetas, as leis são importantes se entendidas, vividas e praticadas. Por isso, primeiro vamos conscientizar nossos irmãos a se valorizarem e a valorizarem nossos semelhantes.

Infocientizando: O senhor já sofreu algum tipo de exclusão ou preconceito em função da cor da sua pele? Se sim, pode contar como ocorreu?
E. N.: Sim, vários. Vou contar apenas dois. Primeiro, na escola, certa vez uma professora para me calar, disse "Cala a boca sabonete phebo!”. Era um sabonete preto. Da forma como ela falou, todos se calaram, inclusive eu, que senti um grande remorso, que veio a se transformar em trauma. Como jornalista, tenho um sonho de ser repórter de televisão e, nessa época, eu era funcionário da TV Clube. Por muita insistência comecei a estagiar como repórter. Apesar de conseguir fazer entrevistas e elaborar os textos, nunca me coloram no ar e, em certa ocasião, o editor de esportes dessa emissora disse para eu ouvir essa máxima que guardo na minha alma: "Em minha editoria, um negro nunca terá vez!".  Além disso, posso relacionar inúmeras situações em que, por descaso ou por insinuações, as pessoas me negam, me desprezam, no olhar ou em um não olhar, por passar despercebido. Quando querem amenizar as coisas, tratam de moreno, negro de alma branca.

Infocientizando: O movimento negro tem articulação com minorias políticas, como o movimento GLS, movimentos que lutam pelos deficientes, entre outros?
E. N.: Essa articulação é, inclusive, uma inquietação minha, que tenho uma proposta particular de desenvolvimento em uma tese de mestrado. Ou seja, de abordar a falta de articulação entre as manifestações dos movimentos. O movimento negro não tem maior representação porque se isola, tem excelentes propostas que se esvaziam por falta de articulação. Nesta perspectiva é que perdemos muito como construção social necessária, frente aos interesses dominantes nessa realidade, que se satisfazem com a desarticulação das militâncias.



Reportagem: Israel Severo
Foto: Israel Severo
Edição: Tamires Coelho
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Entrevista: Um premiado defensor do meio ambiente fala sobre a dificuldade de ser ecologicamente correto em Teresina

Apesar de ser um assunto bastante discutido atualmente, a maioria das pessoas ainda se importa pouco com o meio ambiente. Antônio Carlos, professor de espanhol da UESPI, está fora desse grupo. Vestido de palhaço Pancinha, personagem que criou há 30 anos, ele conta histórias e canta músicas para crianças – foco do trabalho de educação ambiental que realiza desde 2007.

Neste mês de junho, Antônio Carlos recebeu o Oscar Ambiental, prêmio que homenageia pessoas que defendem o uso sustentável de recursos naturais. Em 2008, ganhou o troféu Amigo da Fauna, do IBAMA, onde está se especializando em gestão ambiental.

No mesmo ano, ganhou um Ponto de Leitura concedido pelo MEC. Trata-se de uma biblioteca com computador, acesso à internet e 800 livros disponíveis à comunidade do Bairro Bela Vista, onde mora em Teresina. É Diretor de Cultura Ecológica da Associação de Catadores de Resíduos Sólidos do Piauí e ministra palestras sobre coleta coletiva solidária em empresas.

Muitas pessoas ainda não são educadas a fazer coleta seletiva em Teresina


Infocientizando:
Desde quando a associação existe e com que tipos de material ela trabalha? Há quantos membros associados?
Antônio Carlos: Existe desde 2004, regulamentada em cartório, com estatuto e tudo mais. Nós trabalhamos com plástico, papelão, papel e vidro. Todo material que a gente recebe, a gente passa para o sucateiro, que é o intermediador. Ele, por sua vez, vende pra fora: Ceará, Paraíba, São Paulo. Todo o material vai pra fora. Isso porque em Teresina ainda não existem indústrias de reciclagem. Também temos um convênio com a secretaria de Saúde. Todo mês, ela manda pra nós um carregamento com o já material separado, pode ser de copos descartáveis ou papel. Nós já tivemos 300... 200 membros. Hoje, infelizmente, nós trabalhamos com um efetivo de apenas 30... 40 pessoas.

Infocientizando: Porque a coleta seletiva não funciona em Teresina?
Antônio Carlos: Falta de vontade política, falta de vontade do empresariado. Hoje, em Teresina, existe um desperdício de lixo total. Infelizmente, são lixões a céu aberto. O aterro sanitário fica lá e pouco é aproveitado. Há pessoas que aproveitam o material pra fazer artesanato. Há os catadores que retiram o material de lá para comercializar. Mas, como não existe coleta seletiva feita pela Prefeitura, o projeto que foi implantado foi um fiasco. Hoje em dia, eu diria que Teresina é uma das cidades do Brasil que praticamente desperdiça todo o lixo que é produzido.

Infocientizando: Por que o senhor considera um fiasco esse projeto?
A. C: Quando eu visitei a SDU Norte e a SDU Sul no ano passado, numa iniciativa minha, fui conversar com alguns técnicos e eles alegaram que as pessoas não tem educação ambiental, que elas são mal educadas e que não separavam o lixo. Eu conversei com algumas pessoas de bairros onde a coleta foi implantada, na zona Leste. Elas me diziam que os garis pegavam o lixo separado e misturavam. Eu mesmo cheguei a ver isso. Então fica esse jogo de "empurra-empurra". O meio ambiente não está precisando disso. Ele está precisando é de atitudes concretas. Se a prefeitura acha que as pessoas não tem educação ambiental, que seja feito um projeto piloto de educação ambiental, em um bairro apenas, e, se der certo, que seja lentamente implantado em outros bairros. Isso é uma coisa que não se resolve da noite para o dia. A gente sabe que desde que o homem se entendeu como tal, ele degrada o meio ambiente. Mas hoje, a Terra já está tão sucateada que está difícil. É preciso a prefeitura e grupos civis se unirem e fazerem um planejamento, porque a prefeitura sozinha não resolve. O que a gente sabe é que existem algumas entidades que já fazem um trabalho bem interessante.

Infocientizando: Catar lixo em Teresina é um serviço rentável?
A. C.: O número reduzido de catadores se deve à baixa rentabilidade do trabalho. Alguns, às vezes, tiram 300... 500 reais por mês. É uma renda muito reduzida. Os catadores têm muita dificuldade financeira. Por isso, fica muito difícil pra um catador permanecer no trabalho dele. São heróis anônimos. A gente vive numa situação em que o poder público e o empresariado não valorizam. É interessante que, como estamos em ano político, já tem candidato nos procurando pra pedir votos, pra dizer que vai apoiar. É aquela conversa de sempre, circunstancial, agindo por conveniência, oferecendo alguma coisa em troca. Aquele modelo antigo de política, mal feita e que não interessa ao meio ambiente e ao Brasil. Nós respondemos sempre que precisamos de uma colaboração efetiva, de convênios, de contratos assinados.

Infocientizando: O lixo de Teresina é, em sua maioria, despejado em aterros sanitários. Sabe-se que existem outras formas de armazenamento do lixo, menos ofensivas ao meio ambiente. Como os órgãos competentes da cidade poderiam agir para amenizar essa situação?
A. C.: Eu vou apontar uma solução muito simples e que já foi, inclusive, sugerida. E eu digo que entendo porque ela ainda não foi implantada. A prefeitura tem condição de implantar uma central de reciclagem. Uma central como essa pode reciclar todo resíduo orgânico e inorgânico. Uma obra dessas está alçada em torno de 10 milhões de reais. Hoje em dia, gasta-se muito com esse serviço de coleta e desperdiça-se muito lixo. O lixo, grosso modo, as pessoas pensam que é uma coisa que não presta. Mas eu digo com toda certeza: lixo é riqueza!

Infocientizando: A própria camisa da seleção brasileira de futebol é feita com garrafas pet!
A. C.: Sim! É uma coisa feita há muito tempo e a seleção resolveu dar esse exemplo, o que é muito bom. Está mostrando que meio ambiente é um tema recorrente e vai continuar sendo por muitas décadas. Meio ambiente não é só falar de plantinha e borboletinha. No meio ambiente, a primeira coisa que deve ser focada é o ser humano, a ética, o comportamento, a educação, a dignidade, o respeito pelo outro. Tudo isso é meio ambiente. Depois é que vamos falar da questão da preservação, do tráfico de animais, de replantio. Por que eu falo primeiro em ética? Porque quando um governador permite que seu estado seja devastado, falta ética. Quando um prefeito permite que sua cidade fique abandonada e que seu lixo não seja tratado, é falta de ética e de respeito. Se prefeitos e governadores optaram por “estarem” governadores e prefeitos, então, a responsabilidade deles é grande. Eles poderiam fazer alguma coisa.

Infocientizando:
Pode-se ver alguns locais pela cidade que oferecem cestos de lixo diferentes para cada tipo de produto. Depois da coleta, esse lixo é realmente destinado a locais adequados e direcionado para reciclagem?
A. C.: De forma alguma! As pessoas nem se importam. Se você perguntar pra alguém o que se coloca no cesto vermelho, ela não vai saber que é plástico. As pessoas têm que ser alfabetizadas ambientalmente.

Infocientizando: Numa cidade de médio porte como Teresina, como uma indústria de reciclagem pode contribuir para o desenvolvimento econômico da cidade?
A. C.: Quando se trata de lixo e reciclagem, antes de ser uma questão ambiental, é uma questão socioeconômica. Porque traz mais qualidade de vida para a cidade, proporciona renda e emprego para as pessoas, além de reciclar o material orgânico, que teria uma central de compostagem para fazer adubo. Em 2007, o governador sancionou uma lei estadual na qual shoppings centers, condomínios, padarias e supermercados seriam obrigados a fazer coleta seletiva. Mas as ações são muito incipientes, as multas muito tímidas. Quando as empresas são multadas, elas têm como recorrer. Precisamos de leis mais firmes e que sejam bem fiscalizadas. É preciso que seja feito um mapeamento pra saber quais são as associações que têm transporte próprio e podem recolher esse lixo, e para onde deve ser encaminhado.

Infocientizando: Como o cidadão comum pode contribuir dentro do seu lar para diminuir o acúmulo de lixo? É possível reciclar lixo em casa?
A. C.: É importante dizer que a reciclagem é um processo químico. Do meu conhecimento, em Teresina só há uma indústria que recicla sacolas plásticas. São fabricadas sacolas novas a partir de outras já existentes. Em Teresina, o que se faz é o reaproveitamento através do artesanato ecológico. Um exemplo de reaproveitamento que pode ser feito em casa é o óleo queimado transformado em sabão. As pessoas poderiam fazer reciclagem da seguinte perspectiva: descartando embalagens no próprio supermercado, por exemplo, nos casos de produtos que vêm em duas embalagens. Não seria preciso levar várias embalagens pra casa. É uma pequena atitude, mas uma atitude cidadã. Agora, o supermercado vai ter orçamento e interesse pra isso? Pode ter um retorno muito bom pra imagem. Ia agregar valor à imagem do supermercado. A clientela verde, que é o cidadão que tem uma visão ambiental, poderia fazer mais compras naquele local. Quando você faz compras, leva pra casa vários resíduos. Não se fala mais lixo, porque a primeira ideia que se passa é de “coisa que não presta”. Hoje em dia, fala-se em resíduos sólidos para dar a ideia de que aquilo pode ser reaproveitado.



Reportagem: Cássia Sousa e Ludmila Barbosa
Foto: Ludmila Barbosa
Edição: Tamires Coelho
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Audiência Pública ainda é direito desconhecido pelos cidadãos

 Na manhã do dia 17 de junho, realizou-se no Plenarinho da Câmara Municipal de Teresina uma audiência pública para tratar da qualidade do abastecimento de água em Teresina. O vereador Firmino Filho foi o proponente da reunião. Na oportunidade, estiveram presentes representantes da Agespisa, da Social Democracia Estudantil (SDE), da secretaria municipal de Meio Ambiente, da sociedade civil em geral e vereadores da Casa.

Segundo definição do glossário legislativo da Câmara dos Deputados, uma audiência pública é uma “reunião realizada por comissão técnica, a pedido de deputado dela integrante ou de entidade interessada, com o objetivo de instruir matéria legislativa em tramitação, bem como tratar de assunto de interesse público relevante relativo à área de atuação da Comissão. O requerimento para convocação de audiência pública deve ser encaminhado ao Presidente da Comissão. Cabe ao Plenário deliberar se o aprova ou rejeita”.

 Audiência pública na Câmara Municipal de Teresina

O que a maioria das pessoas talvez não saiba é que qualquer membro da sociedade civil pode solicitar uma audiência pública. Quando sentir necessidade de esclarecimento sobre determinado assunto, os cidadãos comuns, no mínimo 50 pessoas, podem convocar uma reunião desse tipo.

“Você nunca tem a oportunidade de sentar e conversar com um diretor da Agespisa ou alguém que possa responder as suas perguntas sobre a própria Agespisa. Numa audiência desse tipo, se não dá pra você perguntar tudo, dá pra, pelo menos, perguntar questões da área em que você mora ou trabalha, e procurar elucidar questões que possam vir nos momentos de problemas. É sempre bom saber a quem recorrer, a quem perguntar e procurar saber quais os direitos que a gente pode ter”, afirma Gardênia Dantas, representante da SDE,  já participou de várias audiências públicas.

Gardênia acredita que essa é uma das formas de se construir a democracia. “As pessoas, hoje em dia, votam mal, exigem mal dos seus políticos porque elas não tem conhecimento das suas necessidades. As necessidades não são tratadas como coletivas, mas como individuais. É uma coisa que no Estado democrático não deveria ocorrer. Se eu não tenho uma comunidade coletiva presente, no que diz respeito às necessidades, aos problemas, a gente não pode exercer, de forma alguma, a nossa função como eleitor ou como cidadão, em qualquer aspecto que seja”, completa.



Reportagem: Cássia Sousa e Ludmila Barbosa
Edição: Tamires Coelho
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