domingo, 20 de junho de 2010

Entrevista: Um premiado defensor do meio ambiente fala sobre a dificuldade de ser ecologicamente correto em Teresina

Apesar de ser um assunto bastante discutido atualmente, a maioria das pessoas ainda se importa pouco com o meio ambiente. Antônio Carlos, professor de espanhol da UESPI, está fora desse grupo. Vestido de palhaço Pancinha, personagem que criou há 30 anos, ele conta histórias e canta músicas para crianças – foco do trabalho de educação ambiental que realiza desde 2007.

Neste mês de junho, Antônio Carlos recebeu o Oscar Ambiental, prêmio que homenageia pessoas que defendem o uso sustentável de recursos naturais. Em 2008, ganhou o troféu Amigo da Fauna, do IBAMA, onde está se especializando em gestão ambiental.

No mesmo ano, ganhou um Ponto de Leitura concedido pelo MEC. Trata-se de uma biblioteca com computador, acesso à internet e 800 livros disponíveis à comunidade do Bairro Bela Vista, onde mora em Teresina. É Diretor de Cultura Ecológica da Associação de Catadores de Resíduos Sólidos do Piauí e ministra palestras sobre coleta coletiva solidária em empresas.

Muitas pessoas ainda não são educadas a fazer coleta seletiva em Teresina


Infocientizando:
Desde quando a associação existe e com que tipos de material ela trabalha? Há quantos membros associados?
Antônio Carlos: Existe desde 2004, regulamentada em cartório, com estatuto e tudo mais. Nós trabalhamos com plástico, papelão, papel e vidro. Todo material que a gente recebe, a gente passa para o sucateiro, que é o intermediador. Ele, por sua vez, vende pra fora: Ceará, Paraíba, São Paulo. Todo o material vai pra fora. Isso porque em Teresina ainda não existem indústrias de reciclagem. Também temos um convênio com a secretaria de Saúde. Todo mês, ela manda pra nós um carregamento com o já material separado, pode ser de copos descartáveis ou papel. Nós já tivemos 300... 200 membros. Hoje, infelizmente, nós trabalhamos com um efetivo de apenas 30... 40 pessoas.

Infocientizando: Porque a coleta seletiva não funciona em Teresina?
Antônio Carlos: Falta de vontade política, falta de vontade do empresariado. Hoje, em Teresina, existe um desperdício de lixo total. Infelizmente, são lixões a céu aberto. O aterro sanitário fica lá e pouco é aproveitado. Há pessoas que aproveitam o material pra fazer artesanato. Há os catadores que retiram o material de lá para comercializar. Mas, como não existe coleta seletiva feita pela Prefeitura, o projeto que foi implantado foi um fiasco. Hoje em dia, eu diria que Teresina é uma das cidades do Brasil que praticamente desperdiça todo o lixo que é produzido.

Infocientizando: Por que o senhor considera um fiasco esse projeto?
A. C: Quando eu visitei a SDU Norte e a SDU Sul no ano passado, numa iniciativa minha, fui conversar com alguns técnicos e eles alegaram que as pessoas não tem educação ambiental, que elas são mal educadas e que não separavam o lixo. Eu conversei com algumas pessoas de bairros onde a coleta foi implantada, na zona Leste. Elas me diziam que os garis pegavam o lixo separado e misturavam. Eu mesmo cheguei a ver isso. Então fica esse jogo de "empurra-empurra". O meio ambiente não está precisando disso. Ele está precisando é de atitudes concretas. Se a prefeitura acha que as pessoas não tem educação ambiental, que seja feito um projeto piloto de educação ambiental, em um bairro apenas, e, se der certo, que seja lentamente implantado em outros bairros. Isso é uma coisa que não se resolve da noite para o dia. A gente sabe que desde que o homem se entendeu como tal, ele degrada o meio ambiente. Mas hoje, a Terra já está tão sucateada que está difícil. É preciso a prefeitura e grupos civis se unirem e fazerem um planejamento, porque a prefeitura sozinha não resolve. O que a gente sabe é que existem algumas entidades que já fazem um trabalho bem interessante.

Infocientizando: Catar lixo em Teresina é um serviço rentável?
A. C.: O número reduzido de catadores se deve à baixa rentabilidade do trabalho. Alguns, às vezes, tiram 300... 500 reais por mês. É uma renda muito reduzida. Os catadores têm muita dificuldade financeira. Por isso, fica muito difícil pra um catador permanecer no trabalho dele. São heróis anônimos. A gente vive numa situação em que o poder público e o empresariado não valorizam. É interessante que, como estamos em ano político, já tem candidato nos procurando pra pedir votos, pra dizer que vai apoiar. É aquela conversa de sempre, circunstancial, agindo por conveniência, oferecendo alguma coisa em troca. Aquele modelo antigo de política, mal feita e que não interessa ao meio ambiente e ao Brasil. Nós respondemos sempre que precisamos de uma colaboração efetiva, de convênios, de contratos assinados.

Infocientizando: O lixo de Teresina é, em sua maioria, despejado em aterros sanitários. Sabe-se que existem outras formas de armazenamento do lixo, menos ofensivas ao meio ambiente. Como os órgãos competentes da cidade poderiam agir para amenizar essa situação?
A. C.: Eu vou apontar uma solução muito simples e que já foi, inclusive, sugerida. E eu digo que entendo porque ela ainda não foi implantada. A prefeitura tem condição de implantar uma central de reciclagem. Uma central como essa pode reciclar todo resíduo orgânico e inorgânico. Uma obra dessas está alçada em torno de 10 milhões de reais. Hoje em dia, gasta-se muito com esse serviço de coleta e desperdiça-se muito lixo. O lixo, grosso modo, as pessoas pensam que é uma coisa que não presta. Mas eu digo com toda certeza: lixo é riqueza!

Infocientizando: A própria camisa da seleção brasileira de futebol é feita com garrafas pet!
A. C.: Sim! É uma coisa feita há muito tempo e a seleção resolveu dar esse exemplo, o que é muito bom. Está mostrando que meio ambiente é um tema recorrente e vai continuar sendo por muitas décadas. Meio ambiente não é só falar de plantinha e borboletinha. No meio ambiente, a primeira coisa que deve ser focada é o ser humano, a ética, o comportamento, a educação, a dignidade, o respeito pelo outro. Tudo isso é meio ambiente. Depois é que vamos falar da questão da preservação, do tráfico de animais, de replantio. Por que eu falo primeiro em ética? Porque quando um governador permite que seu estado seja devastado, falta ética. Quando um prefeito permite que sua cidade fique abandonada e que seu lixo não seja tratado, é falta de ética e de respeito. Se prefeitos e governadores optaram por “estarem” governadores e prefeitos, então, a responsabilidade deles é grande. Eles poderiam fazer alguma coisa.

Infocientizando:
Pode-se ver alguns locais pela cidade que oferecem cestos de lixo diferentes para cada tipo de produto. Depois da coleta, esse lixo é realmente destinado a locais adequados e direcionado para reciclagem?
A. C.: De forma alguma! As pessoas nem se importam. Se você perguntar pra alguém o que se coloca no cesto vermelho, ela não vai saber que é plástico. As pessoas têm que ser alfabetizadas ambientalmente.

Infocientizando: Numa cidade de médio porte como Teresina, como uma indústria de reciclagem pode contribuir para o desenvolvimento econômico da cidade?
A. C.: Quando se trata de lixo e reciclagem, antes de ser uma questão ambiental, é uma questão socioeconômica. Porque traz mais qualidade de vida para a cidade, proporciona renda e emprego para as pessoas, além de reciclar o material orgânico, que teria uma central de compostagem para fazer adubo. Em 2007, o governador sancionou uma lei estadual na qual shoppings centers, condomínios, padarias e supermercados seriam obrigados a fazer coleta seletiva. Mas as ações são muito incipientes, as multas muito tímidas. Quando as empresas são multadas, elas têm como recorrer. Precisamos de leis mais firmes e que sejam bem fiscalizadas. É preciso que seja feito um mapeamento pra saber quais são as associações que têm transporte próprio e podem recolher esse lixo, e para onde deve ser encaminhado.

Infocientizando: Como o cidadão comum pode contribuir dentro do seu lar para diminuir o acúmulo de lixo? É possível reciclar lixo em casa?
A. C.: É importante dizer que a reciclagem é um processo químico. Do meu conhecimento, em Teresina só há uma indústria que recicla sacolas plásticas. São fabricadas sacolas novas a partir de outras já existentes. Em Teresina, o que se faz é o reaproveitamento através do artesanato ecológico. Um exemplo de reaproveitamento que pode ser feito em casa é o óleo queimado transformado em sabão. As pessoas poderiam fazer reciclagem da seguinte perspectiva: descartando embalagens no próprio supermercado, por exemplo, nos casos de produtos que vêm em duas embalagens. Não seria preciso levar várias embalagens pra casa. É uma pequena atitude, mas uma atitude cidadã. Agora, o supermercado vai ter orçamento e interesse pra isso? Pode ter um retorno muito bom pra imagem. Ia agregar valor à imagem do supermercado. A clientela verde, que é o cidadão que tem uma visão ambiental, poderia fazer mais compras naquele local. Quando você faz compras, leva pra casa vários resíduos. Não se fala mais lixo, porque a primeira ideia que se passa é de “coisa que não presta”. Hoje em dia, fala-se em resíduos sólidos para dar a ideia de que aquilo pode ser reaproveitado.



Reportagem: Cássia Sousa e Ludmila Barbosa
Foto: Ludmila Barbosa
Edição: Tamires Coelho

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