domingo, 20 de junho de 2010

Entrevista: Edilson Nascimento fala sobre a questão racial e o desafio das minorias políticas na sociedade

Edilson Nascimento é formado em Pedagogia e Jornalismo pela UFPI, especialista em Tendências e Perspectivas do Jornalismo, e desenvolveu dois projetos de pesquisa sobre a questão racial, que foram orientados por um  africano de Serra Leoa que reside em Teresina, Francis Musa Boakari. Como jornalista, Edilson mantém um blog no site Meio Norte.

O primeiro projeto foi intitulado "A escola e questão do negro: a procura de uma pedagogia voltada para a negritude", feito na cidade de Timon-MA, no qual procurou estudar até que ponto o racismo exclui e prejudica o desenvolvimento dos afrodescendentes na escola. Já o segundo foi feito no curso de Comunicação Social e teve como título: "TV por Preto e Branco: o negro como repórter e apresentador de televisão em Teresina –PI”, no qual  procurou analisar uma realidade que ele considera racista, na qual se pode contar  nos dedos os profissionais de características afros que aparecem na tela piauiense. 

Em entrevista ao Infocientizando, Nascimento explica como funciona o Movimento Negro, que parcela social ele agrega e como acontecem as articulações do grupo. Em um posicionamento algumas vezes radical, ele fala sobre as vitórias e sobre o que ainda pode melhorar no movimento. Além disso, conta também como já sofreu discriminação racial e pontua que essa prática ainda é frequente na sociedade brasileira e teresinense.


Edilson é fundador de uma ramificação do movimento negro na Universidade Federal do Piauí

Infocientizando: Quando e como começou o movimento negro no Piauí?
Edilson Nascimento: Não dá para afirmar exatamente quando começou o movimento negro no Piauí, pois o movimento negro no Piauí encontra-se ainda em construção. Embora haja várias ramificações que nos permitem admitir que há uma consolidação, seja na área cultural – como temos o exemplo do Grupo Coisa de Nego –, como na parte intelectual, na qual se enquadra o Núcleo de Pesquisadores da UFPI e da UESPI. Na UFPI temos o Ìfaradá, do qual eu tenho o prazer de dizer que sou um dos primeiros integrantes, junto com o professor Francys Boakari e o professor Solimar Oliveira. É bom lembrar que o Movimento Negro Unificado, MNU, também tem representação aqui em Teresina, destaco aqui a pessoa do Istânio Vieira. Movimento é algo que não tem fim. Nem meio, nem fim. É algo que se encontra sempre em constante mudança, e isso, no caso da negritude brasileira, é algo que exige sempre uma atenção especial.

Infocientizando: Quais são as principais preocupações do movimento negro hoje?
Edilson Nascimento: Atualmente, está em tramitação um estatuto da Igualdade Racial e os movimentos negros, pesquisadores e militantes esperam que sejam implantadas ações afirmativas para garantir uma maior e melhor representação do negro na sociedade. A gente tem que tentar outros caminhos, mais ligados à educação, mais ligados à socialização das pessoas, ao convívio com a diversidade. O nosso modelo de relações não é um modelo separado como nos Estados Unidos, onde os grupos ocupam lugares distintos. A gente não tem esse modelo. Mas isso não quer dizer que a gente aceite com mais facilidade o outro. A regulamentação é importante. A lei tem que existir e tem que ser pra valer, mas só isso não é suficiente. Teríamos que ter um trabalho que venha desde a educação infantil, que é aprender a conviver com a diversidade. Uma contribuição muito importante seria o efetivo cumprimento da obrigatoriedade dos conteúdos, no primeiro e no segundo grau, relacionados à História da África e à História e cultura dos negros no Brasil. Hoje, a gente tem um pouco mais de interesse, mas esse tema não é o foco das pesquisas acadêmicas. Claro que as coisas foram caminhando e o tema ganhou uma expressividade na sociedade, na medida em que os estudantes negros afloraram em algumas universidades e tiveram a oportunidade também de trabalhar essa questão, de fazer pesquisas e estudar essa questão num movimento que é acadêmico e militante.

Infocientizando: Quais os critérios para que uma pessoa entre para o movimento no Piauí? A pessoa se declara negra, ou precisa ser reconhecida como negra pelos integrantes?
E. N.: Não existem critérios fechados que ditam aspectos a serem avaliados na hora de integrar alguém. Muito pelo contrário! Para participar do movimento negro no Piauí, basta querer, ter sensibilidade e preocupação com a problemática negra. Claro, que na maioria dos casos quem vai se identificar mais com essa causa são as pessoas com maiores características afros, porém, também encontramos alguns colegas que não possuem traços físicos africanos aparentes, mas sentem a necessidade de ação e se integram, sendo aceitas perfeitamente no movimento negro.

Infocientizando: Em sua opinião, o movimento negro vem obtendo resultados positivos frente ao governo e à sociedade? A política de cotas seria um desses resultados?
E. N.: Claro que sim, principalmente no governo do presidente Lula, conseguimos vários avanços a nível político. Com destaque para a Lei 10.639, que determina que o sistema educacional brasileiro passe a incorporar em suas escolas aspectos culturais positivos dos africanos, construídos historicamente, que, acima de tudo passe a valorizar as manifestações afrodescendentes.  Na semana passada, depois de tramitar algum tempo, foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial, outra grande conquista dos movimentos e militantes negros. Socialmente, cada vez mais, mesmo com todos os obstáculos, o movimento negro vem ganhando força política. A política de cotas passa por uma exigência de uma ação afirmativa, para de certa forma minimizar as disparidades que foram criadas ao longo da história.

Infocientizando: Como o senhor se posiciona a respeito da crítica a política de cotas, que defende que esse tipo de política potencializa o preconceito e pressupõe uma “inferioridade’’ das pessoas que se declaram negras, sendo necessária apenas uma política “social” de cotas, com base no nível sócio-econômico?
E. N.: Eu, particularmente, sou a favor das cotas, por entender que as portas devem ser abertas para aqueles que foram historicamente açoitados, massacrados, marginalizados. Não entendo como uma esmola, mas como uma possibilidade do afrodescendente chegar aos espaços de desenvolvimento humano, como a universidade e concursos públicos, ambientes fechados, abertos apenas para a elite. Na medida em que a voz do não-branco vai ecoando nesse espaço, vamos ganhando força e crescendo em todos os sentidos. As cotas são apenas uma das ações das políticas afirmativas para o afrodescendente. Não estamos nos inferiorizando com isso. Vamos mostrar que temos nosso valor, e que o vestibular e os concursos são, na verdade, uma representação cruel dessa máquina mortífera chamada sociedade capitalista, que manipula as coisas e aliena as pessoas, levando a crer que alguns são melhores dos que os outros por oportunidades orquestradas por uma cúpula de burgueses.

Infocientizando: Na sua visão pessoal, o preconceito de cor é evidente no Brasil hoje? Ou acontece de forma velada? Existem contextos que favorecem o preconceito?
E. N.: No fundo, o preconceito relacionado à cor é claro para quem é bem escuro no Brasil, só isso. Se pinte de preto, transforme suas características físicas para os afros e verás o peso do racismo. O que acontece é que, aqui, as pessoas discriminam e acham que é normal, brincam com isso, se divertem, fazem piadas, e a angústia dos afrodescendentes é vista como complexo de inferioridade. Psicologicamente, o negro incorpora ou passa a se rebelar radicalmente contra essa realidade. Infelizmente é isso. A proposta do movimento passa pela abertura de um diálogo, que faça desabrochar, despertar o monstro que está adormecido (os traumas sofridos pelo racismo), que esse seja exortado, e que os gritos ecoam, e todos possam se libertar socialmente para falar de seus sentimentos excluídos até hoje.

Infocientizando: De acordo com sua experiência de estudioso e militante, o preconceito de cor deveria ter maior atenção dos legisladores brasileiros? Se sim, por quê?
E. N.: Na verdade, o que precisamos é fazer com que a sociedade passe a escolher afrodescendentes como representantes públicos, porque ainda são poucos os políticos negros conscientes a respeito de nossa negritude. Porque negritude é uma filosofia e precisa ser estudada, sentida. Ser consciente como negro é admitir, acima de tudo, que o racismo existe e precisa ser debatido, discutido por todas as instâncias sociais brasileiras. Vamos enxergar o negro também como intelectual, como trabalhador, empresário, empreendedor, dono de seu próprio nariz e capaz de se posicionar nesse contexto de construção social. Não adianta criar leis para serem esquecidas nas gavetas, as leis são importantes se entendidas, vividas e praticadas. Por isso, primeiro vamos conscientizar nossos irmãos a se valorizarem e a valorizarem nossos semelhantes.

Infocientizando: O senhor já sofreu algum tipo de exclusão ou preconceito em função da cor da sua pele? Se sim, pode contar como ocorreu?
E. N.: Sim, vários. Vou contar apenas dois. Primeiro, na escola, certa vez uma professora para me calar, disse "Cala a boca sabonete phebo!”. Era um sabonete preto. Da forma como ela falou, todos se calaram, inclusive eu, que senti um grande remorso, que veio a se transformar em trauma. Como jornalista, tenho um sonho de ser repórter de televisão e, nessa época, eu era funcionário da TV Clube. Por muita insistência comecei a estagiar como repórter. Apesar de conseguir fazer entrevistas e elaborar os textos, nunca me coloram no ar e, em certa ocasião, o editor de esportes dessa emissora disse para eu ouvir essa máxima que guardo na minha alma: "Em minha editoria, um negro nunca terá vez!".  Além disso, posso relacionar inúmeras situações em que, por descaso ou por insinuações, as pessoas me negam, me desprezam, no olhar ou em um não olhar, por passar despercebido. Quando querem amenizar as coisas, tratam de moreno, negro de alma branca.

Infocientizando: O movimento negro tem articulação com minorias políticas, como o movimento GLS, movimentos que lutam pelos deficientes, entre outros?
E. N.: Essa articulação é, inclusive, uma inquietação minha, que tenho uma proposta particular de desenvolvimento em uma tese de mestrado. Ou seja, de abordar a falta de articulação entre as manifestações dos movimentos. O movimento negro não tem maior representação porque se isola, tem excelentes propostas que se esvaziam por falta de articulação. Nesta perspectiva é que perdemos muito como construção social necessária, frente aos interesses dominantes nessa realidade, que se satisfazem com a desarticulação das militâncias.



Reportagem: Israel Severo
Foto: Israel Severo
Edição: Tamires Coelho

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