sábado, 19 de junho de 2010

ENTREVISTA: Trabalho Escravo - um fantasma que ronda muitos piauienses

A crueldade do trabalho escravo no Brasil, ao contrário do que muitos pensam, não foi extinto com a assinatura da Lei Áurea, em 1888. O regime de escravidão ainda é uma dura realidade para centenas de brasileiros.

João Batista Luzardo Soares, 45 anos, ex-procurador-chefe do Ministério do Trabalho, formado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), revela, na entrevista que segue, o retrato da real situação do trabalho escravo. Ele também fala sobre as causas das mazelas na sociedade contemporânea.

O ex-procurador-chefe acredita que a ética é o melhor caminho para qualquer profissão. Satisfeito com o trabalho que desempenhou à frente da Procuradoria Regional do Ministério do Trabalho, desde 31 de janeiro de 2008, ele contou um pouco sobre os bastidores das práticas ilegais de exploração da atividade humana.    

 Luzardo Soares: o trabalhador escravo piauiense é ingênuo


Adriana Oliveira: O senhor acredita que o trabalho escravo, hoje no Brasil, seria uma das relações trabalhistas mais cruéis?
João Batista Luzardo: É muito cruel. O que acontece é que nós temos diversas formas de exploração do homem e eu faço questão de ressaltar que não se pode confundir trabalho escravo com trabalho em situação degradante, com trabalho de situação de humilhação. Mas essa humilhação ou essa degradação do trabalhador não o impede de dizer não.

Thiago Moraes: Em quais setores o trabalho escravo é mais presente?
Luzardo: No agronegócio, na cultura da cana de açúcar, principalmente. Esse é o trabalho escravo que nós chamamos trabalho escravo rural e também já temos o trabalho escravo urbano, principalmente praticado em confecções em São Paulo, de chineses que exploram a mão de obra de imigrantes ilegais, principalmente da Bolívia e do Paraguai. Mas o país não pode fechar os olhos porque quem está usando essas confecções somos nós. Então, no fundo, somos também compatíveis disso.

Adriana: O que facilita essa prática do trabalho escravo?
Luzardo: A prática do trabalho escravo é facilitada, primeiro, pela informalidade das relações. Muitas vezes, as pessoas que trabalham são analfabetas, portanto, não teriam facilidade no mercado de trabalho mais competitivo. Às vezes são imigrantes ilegais, muitas vezes foragidos da justiça, cumprindo penas. Mas, a meu ver, o que mais facilita é a falta de políticas públicas de oportunidade de trabalho, de fixação do homem em seu município de origem. Não podemos estimular a esmola social, mas a oportunidade de trabalho digno, um aprendizado nas escolas técnicas. Então, a falta de emprego, de oportunidade de trabalho digno, é o principal motivo juntamente com a falta de solidariedade humana, que faz com que exista o trabalho escravo no Brasil.

Thiago: Qual o perfil do trabalhador escravizado?
Luzardo: O trabalhador varia muito dependendo da sua origem. O trabalhador nordestino, do Piauí, por exemplo – que é o que eu tenho mais contato –, ele é ingênuo, acima de tudo cumpridor de suas promessas, analfabeto, muito forte e jovem. São homens. E o perfil é de uma pessoa que trabalha “de sol a sol” e que, por exemplo, na cultura da cana de açúcar, pode cortar por dia, com dois facões, 15 toneladas. Um trabalho sobre-humano.

Adriana: E o perfil do escravizador?
Luzardo: O perfil do escravizador, acima de tudo, é de um desumano, que busca, sem nenhum escrúpulo, o lucro; que não respeita a legislação; que sempre tem um “laranja” ou “testa de ferro” nessas atividades. É um perfil de pessoas poderosas. Em geral, é assim que grandes empresas que se utilizam desse momento para poder explorar a mão de obra.  O que eu vejo também é uma relação muito forte entre o trabalho escravo rural e a exploração do meio ambiente. O desmatamento, o dano ao meio ambiente, é feito pelo homem que está ali, vítima da exploração, vítima do trabalho escravo.


Reportagem e Fotos: Adriana Oliveira e Thiago Moraes
Edição: Tamires Coelho

0 comentários:

Postar um comentário

Aproveite esse espaço de interatividade! É todo seu!

 
Infocientizando | by TNB ©2010